quarta-feira, 27 de maio de 2009

Escritonológico

- Por fim cá estou, nestes escassos e humildes metros quadrados de chão, que facilmente seriam considerados por mim, pérola em ostra de tédio. Não fazes ideia, pequeno boémio, do quão entediante foi hoje, o período decorrido defronte à minha secretária de canetas, folhas e cadernos em desalinho, assim como prosas não literárias e imagens fastidiosas que se vão alinhando no meu monitor e desperdiçando as minhas horas. Todo o escritório é um antro tecnológico com algumas velharias informáticas dispersas aqui e ali. Carcaças de antigas máquinas e verdadeiras relíquias, numa mistura caótica com equipamentos recentes e novelos de fios eléctricos perdidos entre tomadas.

Pessoas afáveis em meu redor juntam-se diariamente a mim, num solidário silêncio de palavras durante o tempo da labora, lembrando vagamente companheiros de guerra, cada um no seu espaço, mas todos reunidos num mesmo lugar físico e psicológico. Todos têm direito a dias mais azuis e a outros de diferentes tonalidades, mas as forças acabam por equilibrar-se num esquema de vectores newtoniano, em que é impossível permanecer sombrio por muito tempo.

Bill Callahan e outros entoam as suas melodias, às vezes num segredo murmurado ao meu ouvido, outras numa alegre cantoria geral, aligeirando o ambiente. De quando em quando, conversas súbitas cruzam o ar em alegre tumulto, terminando tão depressa como começaram.

Olha, pede-me um moscatel! Esse vinho licoroso liberta-me de toda a tensão acumulada, constituindo a chave da corrente que me prende o tornozelo da alma, a uma bola de ferro imaginária. Sim, com casca de limão e uma pedra de gelo, por favor.

1 comentário: